terça-feira, 31 de março de 2015

Fernando Baez e a Conquista da América indígena.



"Entraban los españoles en los poblados y no dejaban niños ni viejos ni mujeres preñadas que no desbarrigaran e hicieran pedazos. Hacían apuestas sobre quién de una cuchillada abría un indio por medio o le cortaba la cabeza de un tajo. Arrancaban a las criaturitas del pecho de sus madres y las lanzaban contra las piedras. A los hombres les cortaban las manos. A otros los amarraban con paja seca y los quemaban vivos. Y les clavaban una estaca en la boca para que no se oyeran los gritos. Para mantener a los perros amaestrados en matar, traían muchos indios en cadenas y los mordían y los destrozaban y tenían carnicería pública de carne humana... Yo soy testigo de todo esto y de otras maneras de crueldad nunca vistas ni oídas".

"Ellos construyeron una picota lo suficientemente larga como para que los pies pudieran tocar el piso y de esta forma prevenir la estrangulación, y así, los colgaban de a trece indios por vez en honor de Nuestro Salvador Jesucristo y los doce Apóstoles... Después, paja era envuelta alrededor de los cuerpos destrozados y quemados vivos."

"Ellos [los cristianos] le cortaban las manos a los indios y se las dejaban colgando de un pedacito de piel... [y] ellos probaban sus espadas y su fuerza de hombre sobre los indios cautivos sobre quienes hacían apuestas para ver quien podía cortarles la cabeza o partirlos en dos de un tajo.

(Fray Bartolomé de Las Casas - Brevísima Relación de la Destrucción de Las Indias)

                                                    *
                                                  ***
Desde os séculos da Conquista da América do Sul no século XVI, a tomada do território  para a exploração de riquezas culminou no desaparecimento de inúmeros grupos sociais, na extinção de culturas em suas formas material e simbólica além de um apagamento dos sentidos da  memoria dos povos originários do continente ameríndio. No reconhecimento de um genocídio, de um etnocídio e um memorícidio na história da formação das sociedades do Novo Mundo, o uso do trabalho escravo ou o assassínio ante a resistência armada contra os dominadores, formam os métodos como se perpetuam tais fenômenos, outras vezes definidos como Modernidade, Colonização ou Capitalismo.

A expropriação da terra dos indígenas, alertou as estruturas mentais dos nativos negando-os “o direito à terra que já ocupavam e seus recursos naturais, o direito ao uso de sua própria língua e o direito de fazer sua história coletiva com autodeterminação”(BAEZ, 2010, p. 133). O desenraizamento cultural levou a decadência dos idiomas, o preconceito contra a tradição, enfim, a negação da história. Assim define-se o etnocídio pela destruição sistemática dos usos e costumes dos modos de ser, de cosmovisão e pensamento de diversos grupos sociais. O memorícidio versa sobre a liquidação do patrimônio tangível e intangível, minando as formas de resistência a partir do passado baseadas em deuses, pirâmides, bens simbólicos.

Ao constatar que “mais de 60% da arte latino-americana que sobreviveram estão fora das suas respectivas regiões”, Baez indica o quanto os índios são os guardiões das reservas energéticas e, ainda mais, que  as ditaduras do século 20 na América do Sul, operaram de modo a adulterar a memória histórica dos seus países.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Comunidade quilombola e pesqueira sofre massacre na Bahia


*
17 de março de 2015 (09:44)

**
Assunto: Ajude a denunciar: Comunidade quilombola e pesqueira sofre massacre na Bahia

***
"Me manifesto em repúdio ao que que vem acontecendo no município de São Francisco do Conde, na Bahia. Desde 2009, a comunidade pesqueira-quilombola Porto Dom João vem sofrendo diversas violências físicas e psicológicas, por parte da prefeitura e fazendeiros locais interessados em expulsar a comunidade para implantar empreendimentos turísticos no local. Inclusive já houve tentativa de homicídio contra pescadores dentro dos manguezais  e recentemente a prefeitura entrou com ação judicial para anular a certidão quilombola e o processo de regularização fundiária do INCRA. Repudiamos também a posição racista e autoritária do Juiz Evandro Reimão que decretou de imediato liminar contra a comunidade desconsiderando a constituição federal e a convenção 169 da OIT. É inadmissível que o poder publico seja conivente com essa situação clara de racismo institucional. Peço intervenção pela defesa da vida e dignidade da comunidade. Não se pode violar os direitos humanos dessa forma. Me solidarizo e aguardo ações urgentes dos senhores e senhoras que possam acabar com toda essa violência contra a comunidade e ao mesmo tempo assegurar imediata efetivação dos seus direitos conforme determina nossa constituição federal. "
*
**
***
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais da Bahia (MPP BA) denuncia esquema racista contra a comunidade Quilombo Porto Dom João, localizada no município de São Francisco do Conde. Lideranças são ameaçadas de morte por fazendeiros locais com o apoio do poder público. O caso é grave e o MPP pede ampla divulgação e apoio. Confira o manifesto e saiba como ajudar a denunciar:

SOMOS TODOS QUILOMBO PORTO DE DOM JOÃO!

O Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) vem a público denunciar o esquema racista envolvendo a prefeitura de São Francisco do Conde, fazendeiros locais, a Federação Automobilística da Bahia (FAB) e a Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Estado da Bahia (SETRE) contra a comunidade remanescente de quilombo Porto de Dom João, localizada as margens da BA 522, no município de São Francisco do Conde.

Desde 2009, esta comunidade pesqueira quilombola tem sido alvo de inúmeras ações de violência física e psicológica, criminalização das lideranças, tentativas de homicídios – pescadores alvejados dentro dos manguezais, derrubadas de casas, difamações, discriminações diversas e negação de políticas públicas com propósito de eliminar a comunidade e prevalecer os interesses escusos da prefeitura e de fazendeiros. Por fim, tentam expulsar a comunidade sob o argumento falacioso de que a mesma vem causando crimes ambientais no território em que ocupa por gerações.

Em novembro de 2014, o prefeito Evandro Almeida acionou a justiça federal com o objetivo de anular a certidão quilombola, a paralisação do processo de regularização fundiária iniciada pelo INCRA e a criminalização da comunidade por crimes ambientais.  Essa ação foi imediatamente julgada pelo tendencioso, autoritário e racista Juiz Evandro Reimão dos Reis – o mesmo carrasco do quilombo Rio dos Macacos – que ordenou a imediata suspensão do processo em curso de regularização do território quilombola da comunidade, direitos assegurados em nossa Constituição Federal e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

No dia 02/03/2015 fomos surpreendidos com a informação divulgada no site da Federação de Automobilismo da Bahia de que a prefeitura havia desapropriado uma área da fazenda D. João, pagando mais de 3 milhões de reais para o fazendeiro e repassado para a FAB construir uma mega pista de automobilismo nas proximidades da comunidade quilombola D. João. Essa informação revela o esquema vergonhoso  envolvendo a prefeitura local, empreiteiras, fazendeiros e a FAB sob a tutela de atos irresponsáveis do poder judiciário.

Revela ainda, que todos os atos de violência e negação de direitos contra a comunidade tem um claro propósito racista-genocida, ou seja, para estes históricos algozes do povo negro quilombola do recôncavo baiano, esta comunidade deveria desaparecer do mapa a fim de assegurar a imposição dos seus interesses, caracterizando de maneira muito acintosa e cruel o racismo institucional e a conivência de gestores públicos e do judiciário.

Desta forma solicitamos que sejam enviados protestos e manifestações de apoio a resistência da comunidade para o MPF, SEPPIR, FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, SEPROMI, Prefeitura de São Francisco do Conde, Governo do Estado da Bahia, SETRE e demais autoridades a fim de que sejam investigadas as denúncias aqui formuladas, bem como que se proceda a urgente efetivação dos direitos constitucionais da comunidade remanescente de quilombo porto de Dom João.
Ajude a denunciar!

Envie protestos e manifestações para os seguintes e-mails:

Ministério Público Federal – MPF
Procuradora Deborah Duprat
deborah@pgr.mpf.gov.br

Procurador Edson Abdon:
prba-sac@mpf.mp.br

Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR
Ministra Nilma Lino Gomes:
nilma.gomes@seppir.gov.br

Fundação Cultural Palmares
Presidente José Hilton Almeida:
agenda.presidente@palmares.gov.br

Procuradora Dora Lucia de Lima:
pf.fcp@palmares.gov.br

Governadoria do Estado da Bahia
Governador Rui Costa
agenda@governadoria.ba.gov.br

Secretaria da Casa Civil da Bahia
gabinete.secretario@casacivil.ba.gov.br

Secretaria de Promoção da Igualdade – SEPROMI
Secretária Vera Barbosa:
vera.barbosa@sepromi.ba.gov.br
sepromi@sepromi.ba.gov.br

Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte
Secretário Álvaro Gomes
gabinete@setre.ba.gov.br

Prefeitura Municipal de São Francisco do Conde
gabinete.segab@pmsfc.ba.gov.br
pmsfc.informa@gmail.com

sexta-feira, 13 de março de 2015

Em busca de um novo começo




O filme Apocalypto (2006), lido por uma perspectiva antropológica apresenta a tentativa de reconstrução da situação dos regimes de sociabilidade na América pré-hispânica, como a ideia de coletivo e liderança, além dos conflitos inter-étnicos entre diversos grupos. São representados no filme processos de expansão, invasão, domínio, conquista, prisão e feitura de escravos de um segmento da civilização Maia, em regime de contraste com outros clãs, hordas de caçadores e coletores que vivem no interior da floresta.

Um cortejo de indígenas em busca de “um novo começo” ilustra o que pode ter sido os estímulos para as ideias de salvação e “terra sem mal” que tanto descreveu Pierre Clastre, sobre os Mai e os karaíba, além da crítica ao “um” – ou seja, ao Estado. A diferença de poder durante os conflitos podiam decorrer do apuro e dominação com as ferramentas bem como as técnicas e estratégias de combate.

As práticas de reunião com anciãos, antepassados e seus costumes ancestrais – o xamanismo, o totemismo e o sacrifício precedem a relação sócio-cosmológica da morte com a floresta, além do diálogo da mitologia ameríndia com a natureza, em especial os animais com o Jaguar, por exemplo. No momento de conflito: desespero, outra ordem é erigida, suspensão da norma, violações éticas e morais de um povo, violência física. A partir do contato–atrito em contraste é preciso aprender com as crianças a refazer o caminho e reforçar a consciência das necessidades do coletivo num regime de sobrevivência em condições adversas e socialidades desestruturadas.

O que nos deixa dizer, sobretudo, que ali já há história já, e se pode perceber o discurso, a ideologia na relação entre o líder, o povo e os deuses. Do ponto de vista anímico o Jaguar é um símbolo com eficácia simbólica bem relevante para os processos de identificação na mediação entre o realismo objetivo da história material e o simbolismo mítico do subjetivismo cosmológico.

“A alma dela está a sua espera aos pés da árvore da vida”

Haviam os leprosos, os que possuíam a doença e sofriam da rejeição coletiva, do isolamento e ao ostracismo. O medo, a hora sagrada, da escuridão do dia, que põe fim do céu e faz desaparecer a Terra e leva o fim ao mundo ameríndio. A profecia cumpre a função discursiva, narrativa dos jogos de poder através de uma semiologia entre representações e rituais.

A criação do mito se faz a partir da invenção e de comunhão entre homem e natureza numa temporalidade marcada pela diferenciação espacial/geográfica, como se pode observar na construção da naturalização da sociedade. Fica-nos a pergunta: “O que são eles?” e uma primeira resposta nos traz o filme: “eles trazem homens”.

– Mas se a sociedade não existe e é apenas uma abstração, o que é a civilização?                         – Bandeiras, barcos, tecnologias, cruz, espada, deus? Ou vingança?




quinta-feira, 12 de março de 2015

The voice of shaman, The New York Review Books. Tradução (1ª parte)

Desabamento do Céu, Claudia Andujar entre os Yanomami.
***

A voz do xamã¹

A queda do céu (The falling sky),  livro escrito pelo xamã yanomami Davi Kopenawa e o antropólogo francês Bruce Albert, tomou este título de um mito de criação dos yanomami que vivem na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O mundo primordial foi esmagado por um colapso do céu, lançando com forças estes habitantes para o submundo. A volta do céu anterior transformou a floresta onde ressurgiu o povo yanomami, e onde continua nos dias de hoje. Ele ainda liga a floresta “ao velho céu”. O novo céu foi erguido, realizado no lugar por fundações de metais profundamente colocadas na terra pelo demiurgo Omana (entidade anímica).Ainda o novo céu está sob constantes ataques pelas forças do caos e o incansável trabalho dos xamãs yanomami com os espíritos aliados, os xapiri, para evitar um novo apocalipse. Um terceiro céu diáfano já espera, no alto, no caso de ocorrer um colapso e o mundo mais uma vez venha a ter um fim.

Em números de aproximadamente de 33.000, os yanomami estão em uma das maiores sociedades indígenas da Amazônia, ocupando um vasto território concentrado na montanha Parima dividindo a Amazônia a partir da bacia de Orinoco. Isolados até o início do século 20, os primeiros contatos regulares com missionários e agentes do governo brasileiro começam entre 1940 e 1960. Estas relações quebraram-se quando ferramentas de metal e outros comércios desejados como bom se dão, bem como uma fatal doença epidêmica.

Nos anos de 1970, o governo brasileiro começa cortando a perna norte da Transamazônica, causando desflorestamento e novo distúrbio para a vida yanomami. A transamazônica e sua construção foi abandonada depois de vários anos, mas uma enorme corrida do ouro nos meados de 1980 infligiu tremendo sofrimento e devastação ecológica. Em 1992, campanhas internacionais através de antropólogos e indígenas e organizações não governamentais resultaram na demarcação de um território contiguo para os yanomami totalizando 192,000 km²(tão grande quanto a Florida) compartilhado entre o Brasil e a Venezuela. Ambos autores deste livro, Kopenawa como porta-voz internacional yanomami e Bruce Albert como cofundador da ONG CCPY (Comissão Pro-Yanomami), foram figuras centrais nesta importante vitória, e ambos permanecem atuando em uma luta contínua contra a mineração e outras ameaças.

A queda do céu é várias coisas. É a autobiografia de Davi Kopenawa, um dos mais proeminentes e eloquentes líderes indígenas brasileiros. É a mais vívida e autêntica descrição do xamanismo filosófico (filosofia xamânica) que eu já li. É também um apaixonado apelo pelos direitos dos povos indígenas e uma mordaz condenação do perigo forjado por missionários, mineradores de ouro e a ganancia dos homens brancos (nhabebe). As notas de rodapé sozinhas abrigam monografias sobre a botânica e a zoologia, mitologia, ritual e história yanomami.


(...)

To be continued

***

Para ouvir o canto xamânico de Davi Kopenawa clique aqui.

[1] O xamã Davi Kopenawa da aldeia Yanomami de Demini, resolveu no final dos anos 70 se aproximar da FUNAI ocupando um posto avançado num quartel para o abandono do projeto da estrada Perimetral Norte, através do território Yanomami, no estado de Roraima, Brasil, em abril de 2014; fotografias por Sebastião Salgado: Genesis está no International Center of Photography, New York, até 11 de janeiro de 2015. O Catalogo é editado por Leila Wanick Salgado e publicado por Taschen.