Apontamento solto
– A Reinvenção do último milênio
O homem caminha sobre a linha do
tempo e da cultura, na corda bamba da ciência e dos seus conceitos
pré-conceituados, entre a angústia da influência e a necessidade de
originalidade e primazia, nas fronteiras entre o metafísico e o que chamamos
realidade. A partir da convicção da hibrida relação dos indivíduos inter e intra-subjetiva,
apreende-se que o conjunto de cosmologias e cosmogonias tão diferentes
produzidas por diversas culturas e díspares costumes propõem a reflexão da
implosão da hegemonia da sociedade ocidental.
Em séculos que a verdade vive a ser
absoluta, a realidade tão arbitrária, a natureza furiosa quão violenta, o
estado ainda mais autoritário quanto repressivo e as portas para a
transcendência obnubiladas pela hegemonia da reprodução, a sociedade esse ente
hibrido por não dizer complexo, embriaga-se no consumo e vislumbra, na vigília
entre o prazer e o luxo, os escombros de toda a ruína metodicamente
culturalizada nas estantes e prateleiras universais de toda a materialidade da
produção intelectual hodierna.
É o momento em que o indivíduo
descobre que o marco do seu estar na terra é usufruto de sua natural
organicidade a mesma, e o homem, possivelmente, o exemplar mais bem acabado da
natureza, quiçá dizer, prova cabal da expansão e desenvolvimento intelectual, e
o que é mais importante, num processo de alargamento e expressão coletiva,
desde o tempo dos clãs e das tribos, das sociedades onde os livros ainda não
existiam, eram e continuarão sendo as formas de organização e modos de produção
social grupista que conseguiram o êxito de se perpetuarem.
Desde a matriz antropológica mais
ancestral, sejam os aborígines na Austrália ou mesmo, o profético povo Maia do
continente americano, até a época vigente entende-se o principio axiomático da
existência humana como a relação direta entre a vida e suas lacuna então supridas
por respostas metafísicas e existenciais, mas que por sua vez logravam êxito no
organograma social, pois que sua ação e difusão nas consciências são realizadas
através do sistema de representação do simbólico como no caso dos totens. Que
são expressões ou caracteres sociais que permitem ao sujeito coletivo determinado
entendimento do real – representado na cultura – e suas manifestações na
perspectiva do indivíduo.
Bispar o
crepúsculo pela fenda de uma sabedoria que é a ilusão de que qualquer um dos
homens possa explicar a vida ou ser deus se acaso ele existisse; nesse momento
o indivíduo encontra-se com as fronteiras do infinito, o todo anterior é
proibido, só talvez um último reflexo fugindo do espelho em estilhaços da
modernidade, desta malfadada projeção do desenvolvimento humano, neste momento,
onde a onda se erige e se parte, e se recente de não haver sido. Pois que, ainda
que o artista pereça diante da arte, uma ação intelectual só pode ser combatida
com outra, enquanto a multidão semi-infinita de homens que se proliferam pelo
planeta, não se apercebe de que a última das máximas da condição humana tende a
ruir.
O civilizar-se, isto é, tomar para si
do corpus social as mais diversas e plurais influências, é parte do projeto de
funcionamento da sociedade, pois que esta possui um fim em si mesma,
propiciadora das circunstâncias, predecessora do arquiteto, esse ente inerente
a essência humana, o que de sobremaneira determina o limite das interações
societais e do individuo a mercê de si. Assim o solipsismo comanda a fundação
de cada personalidade em si, do descobrimento do eu pelo indivíduo, e sem
pestanejar apostaria que é a representação mais aguda da nossa forma de
organização social atual, narcisista e sistematicamente individualista. Tendo
como pressuposto este desolador cenário, o epílogo só poderia se constituir de
um monólogo sem sombras, mas com certeza repleto de fantasmas e incontáveis
espelhos que se refletem.
Não obstante, a razão que o esforço
precede e produz o pensamento, tal qual antecede à prosa, a poesia, arte
imarcescível e indubitável esboço da busca pelo estratagema social mais adequado
para a explicação dos fenômenos sociais, assim como a arte das palavras na sua
operação obscura “entre o ser e o nada” desfaz ecos entre o individuo e seu outro
contido, permite que através do desvelamento das combinações e o rearranjo das
probabilidades, ocorra um eqüidistante paralelo estrutural entre a articulação
da linguagem e sua representação com o todo circundante.
A mediação entre a ordem e a operação, é o
princípio heurístico no qual o leitmotiv antroposociológicos, econopolíticos e
transculturais se resguarda na consubstanciação das cores da época em suas
diversas matizes e seus mais diversos aspectos, que recolhidos a um canto da
racionalização descolam a consciência fazendo-a decolar em direção a eternidade
do indivíduo em sua infinita finitude, descontinua, decomposta entre a última
estrela que caiu, e o fio de luz que se escorre do crepúsculo.
A humanidade destrói/transforma a
natureza para torná-la na contracorrente da ordem, erigindo o caos anterior para
reconstruí-la num plano superior. À
desestruturação operada no corpus social pela figura do intelectual precede uma
reestruturação de uma nova ordem. A atual influência gravita em torno do ser-se
a civilização, de balizar a alegoria social em habictus, e reproduzir seus
costumes e crenças, é construir-se em bases outras se alheando num per si sem sentido
que no “eu”, prenhe de outros tantos, instaura-se a “persona coletiva” e suas
multifacetas ante as interfaces do
paradigma societal contemporâneo.