O
filme Apocalypto (2006), lido por uma perspectiva antropológica apresenta a
tentativa de reconstrução da situação dos regimes de sociabilidade na América
pré-hispânica, como a ideia de coletivo e liderança, além dos conflitos
inter-étnicos entre diversos grupos. São representados no filme processos de
expansão, invasão, domínio, conquista, prisão e feitura de escravos de um
segmento da civilização Maia, em regime de contraste com outros clãs, hordas de
caçadores e coletores que vivem no interior da floresta.
Um
cortejo de indígenas em busca de “um novo começo” ilustra o que pode ter sido
os estímulos para as ideias de salvação e “terra sem mal” que tanto descreveu
Pierre Clastre, sobre os Mai e os karaíba, além da crítica ao “um” – ou
seja, ao Estado. A diferença de poder durante os conflitos podiam decorrer do
apuro e dominação com as ferramentas bem como as técnicas e estratégias de
combate.
As
práticas de reunião com anciãos, antepassados e seus costumes ancestrais – o
xamanismo, o totemismo e o sacrifício precedem a relação sócio-cosmológica da morte
com a floresta, além do diálogo da mitologia ameríndia com a natureza, em
especial os animais com o Jaguar, por exemplo. No momento de conflito:
desespero, outra ordem é erigida, suspensão da norma, violações éticas e morais
de um povo, violência física. A partir do contato–atrito em contraste é preciso
aprender com as crianças a refazer o caminho e reforçar a consciência das
necessidades do coletivo num regime de sobrevivência em condições adversas e
socialidades desestruturadas.
O que
nos deixa dizer, sobretudo, que ali já há história já, e se pode perceber o
discurso, a ideologia na relação entre o líder, o povo e os deuses. Do ponto de
vista anímico o Jaguar é um símbolo com eficácia simbólica bem relevante para
os processos de identificação na mediação entre o realismo objetivo da história
material e o simbolismo mítico do subjetivismo cosmológico.
“A
alma dela está a sua espera aos pés da árvore da vida”
Haviam os leprosos, os que possuíam a doença e sofriam da rejeição coletiva, do
isolamento e ao ostracismo. O medo, a hora sagrada, da escuridão do dia, que põe
fim do céu e faz desaparecer a Terra e leva o fim ao mundo ameríndio. A
profecia cumpre a função discursiva, narrativa dos jogos de poder através de
uma semiologia entre representações e rituais.
A
criação do mito se faz a partir da invenção e de comunhão entre homem e
natureza numa temporalidade marcada pela diferenciação espacial/geográfica,
como se pode observar na construção da naturalização da sociedade. Fica-nos a
pergunta: “O que são eles?” e uma primeira resposta nos traz o filme: “eles
trazem homens”.
–
Mas se a sociedade não existe e é apenas uma abstração, o que é a
civilização? – Bandeiras,
barcos, tecnologias, cruz, espada, deus? Ou vingança?

