segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Da empíria foi extraída a teoria, todo o outro é memória.(1ª Parte)

Em março deste ano tive conhecimento, através do espaço espanhol ssociologos,   de uma entrevista que o sociólogo inglês Anthony Giddens concedeu a  Marina Artusa, em Bologna.

É este abaixo o título do matéria:

"Europa no cree en ilusiones 
Ciencia política. Anthony Giddens analiza en esta entrevista los desafíos que enfrentan Latinoamérica y Europa para instrumentar un estado de bienestar.

O artigo havia sido publicado na página da Revista de Cultura, na sesseão Ideas, do periódico argentino Clarín. Datação de  06/03/14. Que pode ser lida aqui. 

Segue um excerto: 

En América Latina uno ve marchas en las calles y lo mismo ocurre en Europa. Tenemos que ver, además, hacia dónde va a ir la economía mundial. A Brasil le estaba yendo muy bien, aunque ahora ya no tanto; 

“as máquinas han entrado en nuestra personalidad. (...) Imagínese lo terrorífico que es eso. Es como si la ciencia ficción hubiera sido copada por la realidad. Es imponderable. Ya no se puede utilizar más el pasado como guía para el futuro.”

Pero no creo que lo narrativo tenga significado alguno.

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POR ENQUANTO, COM VISTAS À TEORIA...

Depois de reconhecer a Lógica Social do Espaço-território em que a sociologia acontece, acredito que caiba bem aqui abaixo dessa entrevista, um passar de vistas sobre a um prisma de sua obra. Começo com a primeira parte dos comentários sobre a leitura ausente. Comento uma obra que muito me intriga no conjunto dos trabalhos de A. Giddens. Em A Constituição da Sociedade (1989), o pensador social inglês desenvolve um intrincado complexo interpretativo entre as noções de estrutura social e instituições sociais sob a visão de uma Sociologia Política de fundo psicossocial que desemboca em sua Teoria da Estruturação. Para discutir a dualidade entre agência e estrutura o autor aponta que os “atores internalizam, como motivos, os valores compartilhados de que depende a coesão social.”

Na busca por maiores explicações Giddens se justifica da seguinte forma: “O pedido de uma explicação da ação acaba fundindo-se com a exigência de ligar uma teoria “psicológica” de motivação com uma “interpretação” sociológica das características estruturais de sistemas sociais.”

Nesse intuito a noção de cognoscitividade é aproximada da definição de uma ontologia do ser social, enquanto característica constitutiva da vida em sociedade. Numa crítica a Parsons e seu funcionalismo, o inglês o baseando-se em Luhmann e Habermas, aponta no americano um consenso de valores na ordem simbólica sustentado numa visão evolucionista e biológica.

Na apresentação dos elementos de sua teoria da estruturação, diferencia as formas do funcionalismo, estruturalismo das outras sociologias hermenêuticas, aproximando as primeiras de um naturalismo que visa um objetivismo tomando a biologia como modelo na esteira de Comte numa “guia para conceituar a estrutura e o funcionamento de sistemas sociais, assim como para analisar processos de evolução via mecanismos de adaptação”. (p.1)

 Ainda que Giddens desconsidere Levis-Strauss como evolucionista, assevera que “a homologia entre ciência social e ciência natural é primordialmente cognitiva, na medida em que se supõe que cada uma expressa características similares da constituição global da mente” (idem). Sobre a hermenêutica, de origem naquele humanismo preconizado por Dilthey, o autor nos diz: “a subjetividade é o centro previamente constituído da experiência de cultura e história, e como tal fornece o fundamento básico das ciências sociais e ou humanas” (idem). Fechando o raciocínio com os binômios do mundo material e subjetividade, vistos sob noções de causa e efeito e mistério e residual, respectivamente.

Assim essa epistemologia que “nas sociologias interpretativas é concedida primazia a ação e ao significado na explicação da conduta humana; os conceitos estruturais não são notavelmente conspícuos e não se fala muito de coerção” (p.1-2) Logo, essa ontologia da ação frente ao funcionalismo/estruturalismo revela que “a questão é como os conceitos de ação, significado e subjetividade devem ser especificados e como poderiam ser relacionados com as noções de estrutura e coerção”(p.2) Onde a estruturação são “práticas sociais” ordenadas no espaço e no tempo”.

Essas práticas, atividades recursivas (recriadas) são os moventes dos atores e agentes em ação social. Nesse sentido, cognoscitividade “é a forma especificadamente reflexa da cognoscitividade dos agentes humanos que está mais profundamente envolvida na ordenação recursiva das práticas sociais” (idem). É claro que ao indicar essa espécie de ordenação Giddens nos faz pensar em alguma forma de estrutura.

No entanto, ele segue em sua exposição “logo, a “reflexividade” deve ser entendida não meramente como “autoconsciência”, mas como o caráter monitorado do fluxo contínuo da vida social” (idem). Categorias como “propósito”, intenção, motivo, razão, voluntarismo hermenêutico são utilizados para a “contextualidade espaço-tempo”, indicando a razão enquanto um processo e um estado.

A consciência é vista a partir de conceitos como “durée”/”self” – momento discursivo da atenção – no sentido de permitir que “uma ontologia de tempo-espaço como constitutiva de práticas sociais é básica para a concepção de estruturação, a qual começa a partir da temporalidade e, portanto, num certo sentido da história.”

Com o despertar do processo de “racionalização da ação” envolto em intencionalidade e rotina o estado de “co-presença” indica o entendimento da interação enquanto o instante de avaliação da competência. Se as normas formam fronteiras factuais passíveis de manipulação e abrem espaço para a dissimulação da razão, Schultz é evocado para configurar a visão sobre o conhecimento socialmente incorporado, enquanto estoque de conhecimento mútuo.

De forma que a “estratificação do self atuante” enquanto dimensão inconsciente se apresenta como lugar do encontro (jogo) da consciência discursiva e da consciência prática. Numa crítica a Freud, Giddens indica que a visão freudiana “não deixa capo suficiente para a operação das forças sociais autônomas”. Ou seja, “o inconsciente inclui aquelas formas de cognição e de impulsão que estão ou totalmente impedidas de consciência ou somente aparecem na consciência de formas distorcidas.” (p.4)
Frente a uma noção não muito clara de profundidade, ou abismos, no interior da “história de vida do ator individual” a operação de forças sociais autônomas seria mediada pelo “nível de controle dos agentes sobre a própria conduta” o que pode ser observado pelo grau de interação e integração ordenada pelas instituições socialmente reconhecidas e coletivamente compartilhadas.



O AGENTE; A AGÊNCIA

O monitoramento das práticas sociais, sob a visão da rotina – cotidiano – dando margem ao entendimento teórico de um contínuo histórico. Essa monitoração reflexiva, tomada como racionalização da ação articula razão, motivo e necessidade, a partir do potencial derivado da noção de projeto de Schultz. Partindo em direção da consciência prática por meio de uma Fenomenologia e Etnometodologia, voltada para a Filosofia da Linguagem na observação da socialização e da aprendizagem chega a considerar barreiras (repressão) entre consciência discursiva e o inconsciente. A modelagem freudiana (id-ego-superego) é entendida sob o prisma: eu-mim-tu. Onde o mim é uma expressão da “consciência moral” – resultado da dialética entre consciência discursiva e o inconsciente mediado por valores, crenças, etc.

Recuperando Durkheim de O Suicídio, Giddens interpreta a agência como aquele fenômeno que acontece, ou faz acontecer. Enquanto o agente é o perpetrador da agência, ou seja, alguém que exerce poder ou produz um efeito de ação. Num “efeito acordeão” a ação é relacionada à exterioridade do social numa relação de composição com a intencionalidade, ou melhor, com a capacidade de conhecer ou desejar o desfecho interrelacionando o fazer, pretender e o efeito esperado pela agência. Ainda que considere que consequências não pretendidas não estariam ao alcance do poder do agente frente a questões de espaço-tempo.


Nesse sentido, o inglês pontua que “na maioria das esferas da vida, e das formas de atividade, o âmbito do poder de controle limita-se aos contextos imediatos de ação ou interação”(p.9). Numa crítica a R. Merton, Giddens ao avaliar as ações não-intencionais ou impremeditadas aproxima a intenção da previsão frente a noção de ações imprevistas de Merton. No avanço de sua crítica ao pensador americano Giddens aponta que as consequências impremeditadas e as práticas institucionalizadas têm haver com a necessidade (carência) vistas frente às consequências e condutas irracionais que se atrelam a superstições irracionalidades ou mera inércia fundamentada pela tradição, são reflexos de impulsos motivacionais que indicam uma relação dinâmica entre motivo e intenção. Ainda que considere o “famoso” argumento contrafactual de Weber, sob a forma do “se” , Giddens reafirma que esta forma da ação é “a consequência impremeditada de um agregado de cursos de conduta intencional”.(p.10)

à crítica forma e a forma da crítica.




E toda tradição manifesta-se através de uma cultura. Cultura que envolve relações de poder e desigualdade. Alguém na sala se lembra do livro “ O que é Cultura” de José Luis dos Santos, Eu em silêncio penso naquele livro do Laraia ou na Dialética da Colonização de Alfredo Bosi. Sandroni é mencionado por acaso.

Cultura, espírito. 

A barca, o coco, o cavalo marinho, o maracatu, a Biblioteca do Congresso dos EUA, o Centro Cultural São Paulo; cultura- agricultura. Cultura popular tradicional (noção bem curiosa). O dó de peito, uma dissonância consoante contemporaneamente compartilhada na experiência social. Através da cultura se retorna a natureza. Cruzando as esferas do volk, cultura e arte, atinge-se um saber que possa aproximar os homens. Como uma pedra filosofal do elo perdido entre a os homens e sua identidade com a humanidade, é a crise do paradigma do humanismo, o maquinismo do esquecimento.

              Daí que chamo atenção para fatores como o narrador, quem narra a cultura? Onde está a narrativa das formas sociais da modernidade?

[Quem faz da academia e da ciência um projeto social, deixa de lado os fundamentos do trabalho intelectual.]


              Hegemonia e repressão, convencimento e violência. A ideologia dominante (racionalismo, religião e racialismo) esqueceu-se humanismo, e a lembrar de ter memória. Assim combate o pensamento crítico com qualquer ensaio sobre o eu e qualquer assunto; é sempre uma porta aberta o que diz. Por isso é mister estar atento à crítica forma e a forma da crítica.

BRASIL: uma sociedade contra o estado.




Há muito tempo eu queria ler o Pierre Clastres. Desde quando numa aula de antropologia II, a professora Suzana maia, informou-nos sobre a existência deste autor e sua visão baste incomum e bem crítica sobre as noções clássicas de evolucionismo cultural. Mas enfim, por razões diversas só agora consigo passar pela leitura de A  Sociedade Contra o Estado.

Para ser direto, no último capitulo que leva o mesmo nome da obra, antes da entrevista com o autor, Clastres nos apresenta uma visão bastante original para uma Antropologia Política capaz de compreender as relações modernas e contemporâneas entre a Sociedade e o Estado, partindo da analise das sociedades ditas primitivas, como a exemplo dos índios Tupi-Guarani presentes no litoral brasileiro, além de outros povos como os amazônicos e apaches.

A democracia, esse consenso dissimulado, para retomarmos por ora a noção de hegemonia de Antônio Gramsci, indica para a o debate sobre a necessidade do Estado, o qual Clastres realiza a partir da compreensão sobre este processo de totalidade, dentro da qual as sociedades ameríndias são vistas como incompletas. A sociedade “policiada”, ou seja, a sociedade com Estado, nesse caso pré-colombino não seria necessário.

Ao contrário, o pensamento ocidental define que “[...] o Estado é o destino de toda sociedade”, numa espécie de “fixação etnocentrista” segundo o autor como algo inconsciente (CLASTRES, 2003, p.207). Exemplifica com a ideia de que existe com a modernidade a crença “[...] de que a sociedade existe para o Estado”(idem). Nesse momento pensa-se a crítica à noção das sociedades ameríndias como formas sociais “à margem da história universal” retomando a desconstrução de uma história linear em um “sentido único”, como ao modo dos evolucionistas para os quais “ toda sociedade está condenada a inscrever-se nessa história e a percorrer as suas etapas que, a partir da selvageria, conduzem à civilização”.(CLASTRES, 2003, p. 208).

A arbitragem da forma social do Estado como condição para a noção de civilização[1], conduz ao questionamento sobre o que mantém os “últimos povos ainda selvagens”? O que permanece? O que tem continuidade nessas comunidades mesmo com a chegada dos Europeus?

Por trás das velhas formulações modernas, o velho evolucionismo permanece, na verdade, intacto. Mais delicado para se dissimular na linguagem da antropologia, e não mais da filosofia, ele aflora, contudo ao nível das categorias que pretendem ser cientificas. Já se percebeu que, quase sempre, as sociedades arcaicas são determinadas de maneira negativa, sob o critério da falta: sociedades sem escrita, sociedades sem história (CLASTRES, 2003, p. 208).

Explana-se sobre uma crítica da economia política, incluindo nessa esteira de faltas, o mercado. Mas indaga o autor: “para que serve um mercado, se não há excedentes?” Para justificar as ausências como déficits, o discurso ocidental argumenta em favor da “inferioridade tecnológia”, já que o uso de um subequipamento técnico não permitiria aos indígenas escaparem da “alienação permanente na busca por alimentos”.

Para pensar o conceito de técnica, assim como aparece na Dialética do Esclarecimento, Clastres  entende “o conjunto de processos de que se munem os homens, não para assegurarem o domínio absoluto(isso só vale para o nosso mundo e seu insano projeto cartesiano  cujas consequências ecológicas, mal começamos a medir), mas para garantir um domínio do meio natural adaptado e relativo às suas necessidades, então não mais podemos falar em inferioridade técnica das sociedades primitivas: elas demonstram uma capacidade de satisfazer suas necessidades pelo menos igual  àquela de que  se orgulha a sociedade industrial e técnica.” (p. 209). Conclui-se então tanto pela Teoria Crítica quanto por essa antropologia política que “todo grupo humano chega a exercer, pela força, o mínimo necessário de dominação sobre o meio que ocupa” (idem).[2]

Nesse sentido, “Basta fazer uma visita aos museus etnográficos: o rigor de fabricação dos instrumentos da vida cotidiana faz praticamente de cada modesto utensílio uma obra de arte” (idem). Assim extingue-se a noção hierárquica no que diz respeito às técnicas e tecnologias sociais dos povos. “A potencia de invocação técnica testemunhada pelas sociedades primitivas desdobra-se sem dúvida no tempo. Nada é fornecido de uma só vez, há sempre o paciente trabalho de observação e de pesquisa, a longa sucessão de ensaios, erros, fracassos e êxitos” (p.idem). Cabe pontuar que “a descoberta da agricultura e a domesticação das plantas são quase contemporâneas na América e no Velho Mundo. E impõe-se constatar que os ameríndios em nada se mostram inferiores.”




[1] Pensar o conceito de civilização: Le Goff, Braudel.
[2] “Até agora não se tem conhecimento de nenhuma sociedade que se haja estabelecido, salvo por meio de coação e violência exterior, sobre um espaço natural impossível de dominar: ou ela desaparece ou muda de território.”(p.209)

Cosmologia Ameríndia