segunda-feira, 25 de agosto de 2014

BRASIL: uma sociedade contra o estado.




Há muito tempo eu queria ler o Pierre Clastres. Desde quando numa aula de antropologia II, a professora Suzana maia, informou-nos sobre a existência deste autor e sua visão baste incomum e bem crítica sobre as noções clássicas de evolucionismo cultural. Mas enfim, por razões diversas só agora consigo passar pela leitura de A  Sociedade Contra o Estado.

Para ser direto, no último capitulo que leva o mesmo nome da obra, antes da entrevista com o autor, Clastres nos apresenta uma visão bastante original para uma Antropologia Política capaz de compreender as relações modernas e contemporâneas entre a Sociedade e o Estado, partindo da analise das sociedades ditas primitivas, como a exemplo dos índios Tupi-Guarani presentes no litoral brasileiro, além de outros povos como os amazônicos e apaches.

A democracia, esse consenso dissimulado, para retomarmos por ora a noção de hegemonia de Antônio Gramsci, indica para a o debate sobre a necessidade do Estado, o qual Clastres realiza a partir da compreensão sobre este processo de totalidade, dentro da qual as sociedades ameríndias são vistas como incompletas. A sociedade “policiada”, ou seja, a sociedade com Estado, nesse caso pré-colombino não seria necessário.

Ao contrário, o pensamento ocidental define que “[...] o Estado é o destino de toda sociedade”, numa espécie de “fixação etnocentrista” segundo o autor como algo inconsciente (CLASTRES, 2003, p.207). Exemplifica com a ideia de que existe com a modernidade a crença “[...] de que a sociedade existe para o Estado”(idem). Nesse momento pensa-se a crítica à noção das sociedades ameríndias como formas sociais “à margem da história universal” retomando a desconstrução de uma história linear em um “sentido único”, como ao modo dos evolucionistas para os quais “ toda sociedade está condenada a inscrever-se nessa história e a percorrer as suas etapas que, a partir da selvageria, conduzem à civilização”.(CLASTRES, 2003, p. 208).

A arbitragem da forma social do Estado como condição para a noção de civilização[1], conduz ao questionamento sobre o que mantém os “últimos povos ainda selvagens”? O que permanece? O que tem continuidade nessas comunidades mesmo com a chegada dos Europeus?

Por trás das velhas formulações modernas, o velho evolucionismo permanece, na verdade, intacto. Mais delicado para se dissimular na linguagem da antropologia, e não mais da filosofia, ele aflora, contudo ao nível das categorias que pretendem ser cientificas. Já se percebeu que, quase sempre, as sociedades arcaicas são determinadas de maneira negativa, sob o critério da falta: sociedades sem escrita, sociedades sem história (CLASTRES, 2003, p. 208).

Explana-se sobre uma crítica da economia política, incluindo nessa esteira de faltas, o mercado. Mas indaga o autor: “para que serve um mercado, se não há excedentes?” Para justificar as ausências como déficits, o discurso ocidental argumenta em favor da “inferioridade tecnológia”, já que o uso de um subequipamento técnico não permitiria aos indígenas escaparem da “alienação permanente na busca por alimentos”.

Para pensar o conceito de técnica, assim como aparece na Dialética do Esclarecimento, Clastres  entende “o conjunto de processos de que se munem os homens, não para assegurarem o domínio absoluto(isso só vale para o nosso mundo e seu insano projeto cartesiano  cujas consequências ecológicas, mal começamos a medir), mas para garantir um domínio do meio natural adaptado e relativo às suas necessidades, então não mais podemos falar em inferioridade técnica das sociedades primitivas: elas demonstram uma capacidade de satisfazer suas necessidades pelo menos igual  àquela de que  se orgulha a sociedade industrial e técnica.” (p. 209). Conclui-se então tanto pela Teoria Crítica quanto por essa antropologia política que “todo grupo humano chega a exercer, pela força, o mínimo necessário de dominação sobre o meio que ocupa” (idem).[2]

Nesse sentido, “Basta fazer uma visita aos museus etnográficos: o rigor de fabricação dos instrumentos da vida cotidiana faz praticamente de cada modesto utensílio uma obra de arte” (idem). Assim extingue-se a noção hierárquica no que diz respeito às técnicas e tecnologias sociais dos povos. “A potencia de invocação técnica testemunhada pelas sociedades primitivas desdobra-se sem dúvida no tempo. Nada é fornecido de uma só vez, há sempre o paciente trabalho de observação e de pesquisa, a longa sucessão de ensaios, erros, fracassos e êxitos” (p.idem). Cabe pontuar que “a descoberta da agricultura e a domesticação das plantas são quase contemporâneas na América e no Velho Mundo. E impõe-se constatar que os ameríndios em nada se mostram inferiores.”




[1] Pensar o conceito de civilização: Le Goff, Braudel.
[2] “Até agora não se tem conhecimento de nenhuma sociedade que se haja estabelecido, salvo por meio de coação e violência exterior, sobre um espaço natural impossível de dominar: ou ela desaparece ou muda de território.”(p.209)

Nenhum comentário:

Postar um comentário