Há muito tempo eu queria ler o Pierre Clastres. Desde
quando numa aula de antropologia II, a professora Suzana maia, informou-nos
sobre a existência deste autor e sua visão baste incomum e bem crítica sobre as
noções clássicas de evolucionismo cultural. Mas enfim, por razões diversas só
agora consigo passar pela leitura de A
Sociedade Contra o Estado.
Para ser direto, no último capitulo que leva o mesmo nome da
obra, antes da entrevista com o autor, Clastres nos apresenta uma visão
bastante original para uma Antropologia Política capaz de compreender as
relações modernas e contemporâneas entre a Sociedade e o Estado, partindo da
analise das sociedades ditas primitivas, como a exemplo dos índios Tupi-Guarani
presentes no litoral brasileiro, além de outros povos como os amazônicos e
apaches.
A democracia, esse consenso dissimulado, para retomarmos por
ora a noção de hegemonia de Antônio Gramsci, indica para a o debate sobre a
necessidade do Estado, o qual Clastres realiza a partir da compreensão sobre
este processo de totalidade, dentro da qual as sociedades ameríndias são vistas
como incompletas. A sociedade “policiada”, ou seja, a sociedade com Estado,
nesse caso pré-colombino não seria necessário.
Ao contrário, o pensamento ocidental define que “[...] o
Estado é o destino de toda sociedade”, numa espécie de “fixação etnocentrista”
segundo o autor como algo inconsciente (CLASTRES,
2003, p.207). Exemplifica com a ideia de que existe com a modernidade a crença
“[...] de que a sociedade existe para o Estado”(idem). Nesse momento pensa-se a
crítica à noção das sociedades ameríndias como formas sociais “à margem da
história universal” retomando a desconstrução de uma história linear em um
“sentido único”, como ao modo dos evolucionistas para os quais “ toda sociedade
está condenada a inscrever-se nessa história e a percorrer as suas etapas que,
a partir da selvageria, conduzem à civilização”.(CLASTRES, 2003, p. 208).
A arbitragem da forma social do Estado como condição para a
noção de civilização[1],
conduz ao questionamento sobre o que mantém os “últimos povos ainda selvagens”?
O que permanece? O que tem continuidade nessas comunidades mesmo com a chegada
dos Europeus?
Por trás
das velhas formulações modernas, o velho evolucionismo permanece, na verdade,
intacto. Mais delicado para se dissimular na linguagem da antropologia, e não
mais da filosofia, ele aflora, contudo ao nível das categorias que pretendem
ser cientificas. Já se percebeu que, quase sempre, as sociedades arcaicas são
determinadas de maneira negativa, sob o critério da falta: sociedades sem
escrita, sociedades sem história (CLASTRES, 2003, p. 208).
Explana-se sobre uma crítica da economia política, incluindo
nessa esteira de faltas, o mercado. Mas indaga o autor: “para que serve um
mercado, se não há excedentes?” Para justificar as ausências como déficits, o
discurso ocidental argumenta em favor da “inferioridade tecnológia”, já que o
uso de um subequipamento técnico não permitiria aos indígenas escaparem da
“alienação permanente na busca por alimentos”.
Para pensar o conceito de técnica, assim como aparece na
Dialética do Esclarecimento, Clastres
entende “o conjunto de processos de que se munem os homens, não para
assegurarem o domínio absoluto(isso só vale para o nosso mundo e seu insano
projeto cartesiano cujas consequências
ecológicas, mal começamos a medir), mas para garantir um domínio do meio
natural adaptado e relativo às suas
necessidades, então não mais podemos falar em inferioridade técnica das
sociedades primitivas: elas demonstram uma capacidade de satisfazer suas
necessidades pelo menos igual àquela de
que se orgulha a sociedade industrial e
técnica.” (p. 209). Conclui-se então tanto pela Teoria Crítica quanto por essa
antropologia política que “todo grupo humano chega a exercer, pela força, o
mínimo necessário de dominação sobre o meio que ocupa” (idem).[2]
Nesse sentido, “Basta fazer uma visita aos museus
etnográficos: o rigor de fabricação dos instrumentos da vida cotidiana faz
praticamente de cada modesto utensílio uma obra de arte” (idem). Assim
extingue-se a noção hierárquica no que diz respeito às técnicas e tecnologias
sociais dos povos. “A potencia de invocação técnica testemunhada pelas
sociedades primitivas desdobra-se sem dúvida no tempo. Nada é fornecido de uma
só vez, há sempre o paciente trabalho de observação e de pesquisa, a longa
sucessão de ensaios, erros, fracassos e êxitos” (p.idem). Cabe pontuar que “a
descoberta da agricultura e a domesticação das plantas são quase contemporâneas
na América e no Velho Mundo. E impõe-se constatar que os ameríndios em nada se
mostram inferiores.”

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